segunda-feira, 20 de julho de 2009

Rumo ao Progresso


Certo dia, mesmo tendo acreditado de imediato em vista a credibilidade da afirmação, fiquei estupefato com o comentário de minha mãe. Ela me disse que cada vez mais prescreve receitas de antidepressivos e calmantes nos postos de saúde em que trabalha, e que não obstante, tem que convencer algumas pessoas de que não necessitam do uso de tais drogas. Creio que essa afirmação talvez não seja nova a muitos, porém isso não contradiz o fato de que considerei ser isso algo chocante a qualquer pessoa com massa crítica suficiente para encarar fatos da realidade. Quanto a mim, admito não ter capacidade ou interesse em desmembrar tais fatos a fim de analisar de forma lúcida nosso redemoinho. Sendo assim, lembrei-me de alguns autores cujas obras eu obtive acesso pela bibliografia da faculdade, e pensei sobre o medo do açoite da fome, na anomia social, no mal-estar da civilização, na mais-valia no processo de acumulação e no imperialismo. Acredito ter certa beleza, genialidade e boa intenção nessas teorias e em tantas outras que buscam nos guiar em eternos tempos de escuridão, mas mesmo assim, por mais que doa fazer tal comentário, não as vejo como sendo algo realmente determinante a uma ruptura na lógica do nosso processo de organização. Talvez o tempo comprove alegremente minha estupidez e o acúmulo de inúmeras teorias inovadoras sejam capazes não de apenas alertar a percepção de algumas pessoas, mas promover uma mudança significativa de forma horizontal. Acredito ser o estímulo, a inspiração e a semeadura natural da esperança algo realmente significativo. Do que valeria tantas teorias se não pudéssemos sonhar ao sermos atingidos pela capacidade humana de alcançar profundamente os sentimentos alheios? Mesmo levando em conta a relativização do significado da palavra arte segundo critérios de interpretação pessoal, o ser humano não é capaz de se expressar e se fazer ouvir de forma mais sublime que através de diferentes produções artísticas. Com ela podemos criar mundos à parte, entreter, estimular ou desiludir, iludir ou informar, maquiar ou realçar, fazer amar ou odiar. Através do tempo, me atenho a nomes de expressão cujas obras eu tenho anorme admiração e que considero relevantes à argumentação: Wassily Kandinsky rompeu com as formas em óleo sobre tela, James Joyce corrompeu a linguagem escrita e Richard Wagner subverteu a música erudita. O fato de analisar brevemente o percurso humano e constatar que produzimos aparentemente menos indivíduos originais com produções de grande envergadura também parece ao meu questionamento superficial como uma decorrência da outorga sutil que fere a sensibilidade, sobrepuja os sentimentos e impõem a racionalidade de uma ordem a qual somos subordinados involuntariamente e de maneira irrecorrível. Não somos todos de fato plenamente iguais fraternos ou livres, assim como esses ideais também não são frutos do mero acaso. Vivemos numa espiral regida por valores altamente questionáveis e facilmente aceitos; passamos pela vida com pressa como uma ventania de outono que varre as últimas folhas sem ter visto o desabrochar da primavera. Por isso há uma necessidade de acreditarmos em algo que nos satisfaça mesmo que isto extrapole a capacidade de nossos sentidos e ofenda nossa vã ciência. A cada passo que damos devemos ter a consciência de que o caminho pode ser alterado, pois o pior de tudo é acreditar cegamente que o destino tomado rumo ao tão aclamado progresso não é apenas a panacéia, mas a única opção. Que se abra a caixa de Pandora.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Azaléias

Ela se equilibrava como podia em seu salto alto ao descer uma calçada íngreme e irregular. Chovia forte, e ele, mal humorado e encharcado a apressava impondo seu ritmo cotidiano acelerado. Afinal, estava cansado e queria chegar logo em casa. Ela sorri apaixonadamente quando ele a retém em seus braços logo após ter escorregado. O sorriso dissipou tudo o que havia de ruim em volta dele, e fez com que se aproximasse de um belo arbusto de azaléias. Usurpou da natureza a flor mais vistosa, e prendeu-a carinhosamente entre aqueles belos cabelos compridos. Olhou-a, fitou seus olhos demoradamente e sorriu de volta.