segunda-feira, 30 de março de 2009

Possivelmente Explicável


Em uma segunda-feira, dois de Fevereiro deste mesmo ano, eu coloquei aqui uma postagem intitulada “Eu quero ver gol”. Nela descrevia o ápice de uma partida de futebol como algo inexplicável, de forma que a emoção de um esporte de massa não poderia ser transcrita por palavras. Enganei-me. E venho aqui tentar refutar meu próprio argumento com a seguinte fundamentação: Na segunda metade do século XVIII intelectuais de língua francesa se reuniram em Paris com o objetivo sublime de produzir uma enciclopédia. Porém, muito além de tal obra está a prerrogativa de sua criação; o fato de que Homens se atribuíram a capacidade de explicar tudo o que fosse existente no mundo. Desse modo, com a herança dessa ousada empreitada intelectual humana e de outras inúmeras obras subseqüentes fica-me a sensação de poder ao menos explicar meu equívoco. Tendo acesso a formação educacional de qualidade (como todos o deveriam ter) e a séculos de produção intelectual de nossa espécie, eu não consegui me conter ao enxergar óbvio. Não estou aqui, como muitos audaciosos o fazem, a tentar argumentar ou definir algo como o amor em apenas um verbete; tento apenas refletir sobre a importância social dos esportes popularmente difundidos. Para começar, assim como o brasileiro estereotipado, eu sou um amante do futebol. Este é capaz de me trazer alegria ou tristeza fugaz, como uma droga o faz, mas sem efeitos colaterais. É um assunto infinito para rodas de bate-papo, funciona como um “homogeneizador” natural na interação entre pessoas de níveis sociais e culturais completamente destoantes. Além do caráter magnífico de possibilitar uma redenção social impressionante, digna dos melhores contadores de histórias e dos melhores diretores de cinema. A primeira vista parece ser algo realmente inexplicável. Mas aqui vou eu! Primeiramente gostaria de deixar claro que não sou entendido em Psicologia, então peço que me desculpem a rudeza dos argumentos. Na minha visão, a necessidade de nos identificarmos com algo é puramente natural, e o fato de se relacionar com o que se tem afinidade é intrínseco ao ser humano. Assim o fazem aqueles que, como eu, seguindo o exemplo do meu país, se associam a um clube de futebol e/ou uma escola de samba. Objetivos pessoais e elementos cotidianos que nos possam fazer sorrir ou chorar são tão essenciais a vida como nosso arroz e feijão. E assim onde o futebol é tão massificado (e muitos já nascem até com o escudo marcado na alma) é natural associarmo-nos a estes clubes; assim como é natural vibrar, chorar e cobrar a vitória. Porque, assim como nessa mera associação com uma entidade esportiva, temos a infeliz necessidade de sentirmo-nos vitoriosos em algo.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Poesia de Ser Pessoa

A pobre alma desaprumada olhava fixamente para as imagens de santos em seu oratório composto de cores pastéis com velas coloridas ao redor. Suas mãos dispunham-se juntas uma da outra e os dedos entrelaçados seguravam desajeitadamente um terço próximo à sua boca. Orava fervorosamente como se assim o houvesse feito durante toda sua vida. Mas não era nem um pouco apegada a rezas ou crenças, queria apenas se desapegar da angústia e do desespero que a consumiam. Apegava-se ao gesto como última saída e repetia suas palavras desesperadamente esperando poder passar além do Bojador. Relutava para não se acostumar àquilo que não lhe aprazia. Clamava para que ao olharem de cima não permitissem que seus sonhos fossem esmagados e sua esperança dilacerada. Aliás, a pessoa a qual estava em jogo não era apenas quem a havia ensinado que o amor existe, mas aquele que havia lhe mostrado que o amor valia à pena se a alma não fosse pequena. Cada vez que se encontrava incapacitada de ajudá-lo, a impotência consumia ainda mais seus sentidos. Assim uma lágrima correu, e se afastou do oratório com um olhar melancólico e vago. Com seus olhos sem brilho perdidos na escuridão do ambiente levantou-se e se distanciou alguns passos do altar improvisado. Em seguida passou o olhar por cima de um prato de comida que havia deixado displicentemente na sala e que se encontrava infestado por formigas. De maneira impulsiva esmagou todas as que estavam ao seu alcance. A carnificina só se ateve quando o telefone tocou. Mesmo se em sã consciência soubesse que hospitais não fornecem notícias pelo telefone, sua ingenuidade fez do fato de terem-na chamado durante o breve cair da noite um motivo a mais de esperança. Não era mais inteira, e a lua já brilhava alta quando voltou para casa.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Quando as folhas caírem em uma nova estação

Com o resplandecer do sol durante mais uma manhã de um novo dia, uma árvore de um parque qualquer diz a outra muito maior que ela que se encontrava próxima:
- Bom dia, flor do dia! O que me conta de novo?

Esta lhe responde:
- Ora, tudo na mesma... Apenas tomando um banhozinho de sol. Por quê?

Voltando o olhar às pessoas que andavam no passeio logo abaixo a pequena árvore diz timidamente:
- Ah, por nada...

Tentando ser polida com sua colega de espécie, a grandalhona arriscou:
- E você, o que me conta?

Percebendo o esforço da companheira esta emendou:
- Nada de mais também, mas o dia está particularmente lindo. E aí, algum plano?

A árvore grande de copa larga e vistosa não pode mais se conter e gargalhou. Em seguida disse com particular candura:
- Minha querida, ainda é cedo, mal começastes a conhecer a vida. Certa vez uma árvore velha e sábia - que ficava onde hoje é aquela avenida logo ali - me disse que se quisermos fazer com que o criador ria de nós, temos apenas que lhe contar nossos planos.