segunda-feira, 27 de abril de 2009

Quanto Vale um Sorriso?

O local era um barraco de terra batida com um cômodo na periferia da cidade, mobilhado com um colchão encardido estendido no chão, alguns poucos objetos, roupas amontoados, um fogão e uma geladeira que se esfacelavam. Algumas crianças franzinas corriam fora do cômodo e uma delas se estirava no colchão quando entraram. Após uma dessas travessuras que crianças em busca de conhecer o mundo cometem, sua mãe o puxou pelo braço e disse: Filho, o problema não é esse. Uma vez minha avó me falou que podemos confiar nas pessoas, só não podemos confiar no diabo dentro delas. Ele perguntou a sua mãe em seguida com os olhos faiscantes: Mas, mamãe como podemos afastar o diabo então? Com toda sua fé respondeu-lhe sem hesitar: Reze meu filho, reze! Pois o destino a Deus pertence. Depois deste dia, nunca mais veria sua mãe.

Era véspera de natal e um homem bem aprumado e bem intencionado entra no pavilhão infantil de um grande hospital. Observa as crianças interagindo, se aproxima do enfermeiro de plantão e pergunta quem era a criança que de tão desfigurada não pode distinguir nem o sexo, sentada em um canto isolada das outras. O enfermeiro se voltou para ele e de costas para as crianças: Esse garoto foi abusado pelo pai e contraiu o vírus HIV. A vizinha nos contou que o menino viu seu pai depois de mais um porre esfaquear a mãe até seu último suspiro, atear fogo na casa e se matar em seguida. Foi assim que ele se queimou, os vizinhos conseguiram salvá-lo, e aqui está. Com um nó na garganta, aquele que era um grande burocrata não pestanejou e a abordou o pequeno enfermo. Tentou se comunicar, contou piadas, pegou alguns brinquedos próximos que estavam no chão, gesticulou, falou da sua vida, disse adorar crianças e ter três filhos; em suma, o bufão tentou de tudo sem ter reação alguma.

Quando saiu do transe de seu esforço por causa do cansaço notou que a noite estava em vias de abraçar o dia. Com suas esperanças arruinadas lastimou por ter perdido uma tarde livre com seus filhos e praguejou mentalmente contra sua estúpida inocência. Não podia salvar o mundo. Despediu-se secamente levantou em seguida. Sentiu que algo puxava seu jaleco de visitante. Era a pequena e disforme mão do garoto que o impedia de prosseguir, e ao voltar seu olhar para o rosto do menino escutou: Tio, o senhor pode não perceber, mas eu estou sorrindo!


Baseado em um fato real.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Dois meses depois do carnaval...

Erro de português *

Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português


*In Andrade, Oswald de. Poemas Menores

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Muito mais do que palavras

Sabiam cada um da sua maneira que esta situação podia até ser corriqueira, mas seu desfecho era mais que inusitado. Um abraço, enorme saudade. As palavras eram escassas, mas o diálogo era denso. Não se entendiam tão bem, porém o respeito e amor mútuo transcendiam todas as diferenças. Aprenderam muito com a convivência de tempos juntos, cresceram. No breve segundo em que os olhos se encontraram timidamente, o primeiro emanava candura e contentamento, o segundo não tinha palavras para dizer: muito, muitíssimo obrigado, meu pai!