quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Réquiem do Além Mar

Seus passos eram trêmulos e cansados, mal levantava os pés do chão a cada passada, prosseguia em linha de acordo com o cadenciado trote da boiada. Sabia que só quando há valas ou cavas de rios é que o homem põe por riba pontes. Olhou para os rostos e corpos cadavéricos que ali marchavam, as pessoas mal se falavam ou dialogavam de qualquer outra maneira. O foco era o chão, e o trote, sincrônico e inquestionável: réquiem. Era tarde para que aqueles diabos que haviam acordado tão cedo e cujo troco em seus bolsos era tão ínfimo pudessem parar para refletir, com muita calma pra pensar e terem tempo pra sonhar. Não havia como se conduzirem por bossa, a vida precisava ser ganha, sofregamente, dia após dia. O Sol já não pairava mais sobre eles. Tinham na crença, uma prisão, e ao mesmo tempo o anestésico. Tão necessário. Viver era preciso, navegar não. Não se permitiam desejar muito mais do que isso.

Ali se lembrou repentinamente do sonho que tinha de ensinar crianças sem instrução. Prezando por uma ordem, esses bons selvagens tinham ao menos necessidades fisiológicas mínimas supridas. O que faria algo mudar se nem ao menos levantavam o olhar e buscavam enxergar a sua volta; o ânimo para fazê-lo era comprimido por cansaço guerreiro-conformista e pelo medo de se deparar ao lado com uma realidade ainda pior, ou até se enxergar pior. Encurralado a espera de seu trem, bufava, estava com muita pressa, o dia pareceria escorrer-lhe entre os dedos, porém deixando um ranço viscoso na palma de sua mão. Odiava o sentimento de nem poder ao menos reclamar de suas condições e resmungar de sua existência pacata, sabia ser de certo modo privilegiado. Mas vivia sem enxergar nem ao menos viver, e evitava pensar nisso.

Chegando em casa, o filho pródigo do sistema jogou a pasta sob o sofá como sempre fazia, tirou com os próprios pés seus sapatos gastos de forma desproporcional pelo lado de fora os deixando no meio da sala e arremessou-se em frente à TV ao mesmo tempo em que a ligava com o controle remoto. Estava quase na hora de seu seriado preferido. Ao se aperceber que faltavam ainda alguns minutos correu para a cozinha e colocou um congelado no forno de micro ondas. O jornal noticiava imparcialmente como sempre uma guerra em algum lugar mais pobre que o seu. Esperava que aquilo tudo fosse longe de sua casa. Ao tentar refletir minimamente depois de ter sido evocado pelo termo guerra, lembrou-se do cartaz que havia visto de um novo filme do gênero chamado Apocalypse Now. Não sabia por que se importavam tanto, a violência parecia ser algo normalmente cotidiano. Vendo tudo aquilo ouviu o alarme do forno e correu mais uma vez rumo a sua subsistência. Fixou mentalmente na agenda que gostaria de assistir a tal filme. Ficou estressado, odiava a sensação de ter algo por fazer. Mas pouco pensou sobre isso, o seriado estava por começar.

Abriu os olhos, o astro rei já estava surgindo com imponência. Depara-se assim que levanta com contas sob a mesa e ainda estava atrasado. Saiu apressado com sua casaca e maleta na mesma mão, procurou seu mp3, isso por vez o tirava d’ali rumo à imaginação, a inconsciência. Não o encontrou. Estava com pressa e bateu a porta. Também de maneira inconsciente, o barco da vida lhe levava, no rumo em que a correnteza propunha. Arrumou-se dentro do elevador, mais sem de forma alguma mudar seu aspecto desalinhado. Havia partido sem nem ao menos tomar banho ou café da manha. Detestava comer apressadamente. Durante o caminho até a estação já podia sentir o visco em sua pele e isso lhe gerou uma repugnância. Parecia não haver algo de novo no front. Já no trem levantou corajosamente sua visão do chão em rumo da música que se propagava. Era uma gaita, sempre tivera vontade de aprender a tocar, mas era desafinado. Imaginou como seria deixar algo para outras gerações; sair e voltar às fileiras. Mas ali no calor todos se encostam e o sonho da razão produz monstros. Portanto, sem caneta nem papel em mãos as idéias fugiam, esquecera-se.

Aquela música o fazia se sentir bem. Saindo dali, após mais um longo caminho se trancou na gaiola de vidro evitando questionamentos, tudo deveria ser tratado como normalidade. Era nada mais que uma extensão burocrática. Lembrava-se de alguns relacionamentos e se questionava se em algum teria vivido o amor como o das telas de cinema. Pensou que nunca chegaria talvez a um raciocínio sobre lembrança, recordações e amor. Mas sabia que nada era como nas telas. Queria apenas ver gol. Era um solitário, mas ao menos se vangloriava secretamente de ter se livrado dela, aquela que queimava forte, garganta a baixo. Nada se perpetuava muito em seu pensamento e foi atraído pela luz vinda da janela. Ao menos ficava de frente para ela, podia ver o que sobrara do céu. O que mais adorava era quando aviões decolavam e eram vistos ao longe dali. Virava-se apenas para olhar os ponteiros do relógio. A angústia e o desânimo pareciam comprimir seu ser até quase o ponto de expelir lágrimas amargas. Nunca havia sonhado com aquilo. Mas lembrou-se daquela gaita ressonante e respirou. Veredas.

O fim do expediente chegou, saiu. Os rostos pareciam os mesmos, e ninguém lhe oferecia um chá para azia. Não se recordava de ter escolhido tal papel no espetáculo do mundo. Seus demônios queriam falar com ele. O céu perdia a cor, anoitecera. As notas da gaita ainda ressoavam em sua mente e lhe forneciam de certo modo coragem. Decidiu surpreendentemente descartar a última condução e foi a pé. No meio do caminho resolveu parar para urinar, apontou para uma parede em um canto escuro e fogo. Enquanto se satisfazia, pensou na diferença entre homens e animais. Concluiu que talvez os primeiros criassem normatizações apenas para se diferenciarem dos segundos e tentarem se fazer valer de sua categoria de sapiens. Era como se tivesse descoberto o propósito da vida, mas esse pensamento logo lhe evaporou da mente com outras idéias suscetíveis. A visão era a mais linda vista por ele até então. Tantas estrelas para pouco céu.

Sabia que havia se esquecido de algo, agora, da forma mais inconveniente sentiu a sua falta. A necessidade. Estava chovendo. Impressionou-se por não ficar imediatamente irritado. Olhou para cima, sentiu as gotas tocarem seu rosto, não eram amargas como as suas. Abriu os braços, sorria incontroladamente. Fechou os olhos e visualizou repentinamente um malabarista sobre um tênue cabo, segurando o bastão na horizontal, caminhando sobre o infinito. Não conseguia achar a palavra para definir tal sensação inusitada. Começou a rodopiar com os braços abertos, o sorriso no rosto, olhando para cima. Continuou, e as flores do canteiro pareciam mais belas. Gargalhava animadamente. A gaita voltou a ecoar e as gotas não cessavam. O sertão virou mar. Tornara sua vida a bombordo, a prosseguir independentemente da maré, em mar aberto, com o vento húmido e o Sol apenas se confrontando contra seu rosto e sua inevitável trajetória. Nunca mais fora visto ali.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Bom dia!

Espero aqui, fazer algo útil, tentar levar veredas da única forma que me vejo capaz: as palavras. Não sei mais o que esperar da vida, mas algo em mim diz que não estou errado quanto a isso. Espero assim, de uma maneira gratuita fazer algo que possa interessar a alguém; significar algo, dizer algo. Gostaria que minha primeira postagem fosse uma crônica denominada de “O Trenzinho Caipira”, não pelo seu conteúdo, mas por seu significado pessoal especial. Mas infelizmente não a considero ainda acabada, e talvez nunca o faça. Então decidi deixar um recado aqueles que eventualmente passem por aqui.
Venho apenas como mais um gato sobre telhado de zinco, com minhas palavras ordinárias e anônimas buscar dialogar com meus diabos e tentar realmente dizer. Não sei se o que tenho a falar é de considerável importância aos outros, mas se nos sentimos tão cheios de coisas a dizer, me pergunto qual a razão para não fazê-lo. Sendo assim, cheguei aqui neste espaço, como um sonhador jovem de mais para se desiludir buscando como todos encontrar nosso farol no meio da espiral, com muita calma pra pensar e tempo pra sonhar.