quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Eu te devo uma boa parte do que mais gosto em mim

Não é por medo senão
Por instinto,
Que meu amor por ti escolhe
Poupar-te de minha agonia.

Sei de sua força e amor que
Suportar-me-ia, mas não posso
Ver-te em sofreguidão.

Queria teu toque e olhar de
Ternura.
Junto a mim como
Água e sal.

Na descendente do ser respiro
Dilacerado, agradecendo-te de peito aberto
Por muito mais do que tudo.

Não apenas me hás
Tornado um algo melhor
Como ensinado o caminho do amor:
Me aberto pro mundo.

A dor da separação reside na pessoa maravilhosa que és
Impossível de não ser amada.
Mas o impossível é inexplicável.

Ser decaído mal amante
Sente agora a brisa,
Que sopra pelo tempo...

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Não foi apenas um sonho

Era inevitável: a brisa do resplandecer de mais um dia já trazia a sua mente aquela figura tão desejada e a seu coração a lembrança de um vazio a ser preenchido. Não que tivesse alguma vez saído do seu pensamento, pois ela o acompanhava até nos poucos sonhos de que ele se lembrava. Não conseguiu parar de pensar naquele sorriso, como desejava senti-la e enxergar sua alma através daqueles olhos amáveis e sonhadores. Sua ausência judia de seu ser. O impulso não era apenas desejo, precisava continuar sonhando. Sabiam no fundo de seus seres que este sentimento era recíproco, mas não sabiam como lidar com ele. Tantas outorgas da sociedade os condicionavam e os comprimia a solidão. Pensava como seria tocar seu corpo, sentir seu cheiro, beijar sua boca, amá-la e sentir seu amor; magia. O leão dentro deles não estava ali para ser domado. Descobriram juntos que mereciam ser amados e se amar, e não podiam relegar tal sentimento a pó, queriam viver aquele momento a qualquer custo. Afinal, não havia de ser caro o preço a ser pago quando duas almas desamparadas com tamanha paixão se encontram imersas em volúpia e perdidas na escuridão. Não foi algo deliberado nem planejado. Esqueceram-se das complicações daquele ato, as velas foram abaixadas e assim o mar os carregou rumo ao imprevisto. Mas era como se já houvessem vivido esta história, tendo a nítida consciência de todos os finais possíveis, mas a diferença é que agora iriam se dar uma chance, aquela que culmina em um momento inesquecível, capaz de afastar as cinzentas nuvens que bloqueavam os raios do sol. O desconforto inicial foi superado de forma tão breve que tomou lugar apenas em um sorriso um pouco constrangido. As armaduras foram retiradas e as mascaras caíram. Cumprimentaram-se, conversavam, se divertiam, riam, bebiam, fumavam e finalmente se amavam até o último suspiro. Amavam-se de uma forma tão inusitada, ao mesmo tempo ardente e carinhosa. O casal esqueceram que havia mundo. Aquele ato impensado e tão ansiado podia lhes demonstrar que todo o resto é amargor, mas não poderia passar como uma página em branco em suas histórias, estas linhas tinham de ser escritas com lágrimas de um amor mal resolvido digno das grandes tragédias. Mesmo sem saber se estariam juntos novamente por ao menos mais uma vez, o que lhes trouxe satisfação foi o fato de ter cada um aproveitado e obtido aquilo que gostaria para o momento, e isso fazia a mágica da lembrança. Sempre se vive sendo surpreendido pelo inusitado, através da busca pelas grandes respostas, que se aprende muito com as pequenas coisas. Queria estar, como esteve, dentro dela, e senti-la por inteiro, entende-la. Dessa vez, correu uma lágrima ao acordar, poderia tocar sua pele e sentir seu cheiro, não era apenas um sonho. Ao vê-la dormindo profundamente descobriu o quão real e salvador poderia ser aquele toque de carinho. Restava apenas saber o que ela pensava além daquela madrugada entre seus lençóis.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O Clamor dos Indigentes

Nós também temos alma
Os ateus, agnósticos e descrentes
Como os lumpen e os lazarentos
Defenestrados no passeio.

Não a da ordem doutrinária
Do rebanho religião
A alma do que somos
Bate um só coração

Daqueles seres que se fizeram
Fortes demais para chorar
Mãos calejadas
Seres embrutecidos

O acúmulo material
Que cristaliza tantas almas
Engrenagens desumanas
Arreios humanos

Fortes demais para provar
O saber salgado de suas lágrimas
A égide áurea do progresso
Não lhes confere ao menos tempo pra chorar

Na pujança colorida
Impressa sob a 2° classe do labor
De um filme preto e branco
Das formigas operárias

A massa insalubre
Sem vida e sem cor
Sugada alma dos relógios
Tem também o seu clamor

Não tardará a hora
Do manifesto dos incautos
Dos despossuídos e desalmados
Armados do saber

Diferenças sedutoras
Aprendizado infinito
Alma pouca, alma quebrada
Somos todos os mesmos filhos.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Filosofia Barata de Hum Pagão

Tanto a vida como um mero mortal me parecem inadjetiváveis. Pernicioso e inabalável me parece o tempo, que espreita e se revela sempre sem hora marcada. Cada grão de areia que sucumbe ao tempo dentro da ampulheta me assusta, e eu que achava não ter medo de nada. A morte realmente não se mostra tão assustadora quanto o trajeto até alcançá-la. Ela sempre irá sorrir para nós com candura. Ainda somos jovens, temos todo tempo do mundo... É exatamente isso, o que fazer com todo esse tempo. Seria o que seremos algo próximo ao que desejamos? Desejar é preciso. As expectativas não são cruéis ou vãs, cruel e vão é a nossa mente não se adaptar ao tempo, e as respostas que podemos dar em cada instante a suas perguntas. Desventuras e moinhos de vento clamam pela eternidade. Enquanto desejo algo que faça valer até a morte, e que traga beleza ao viver. O tic-tac recorda que a produção não está pronta, o nosso não é o mesmo tempo do relógio: angústia. Indivíduo é sinônimo de ser humano, e todos querem brilhar solos em céu nublado pelos seus próprios motivos: não é problema seu! O conflito entre a unidade e o todo. Mas tudo parece tão bem engendrado, engrenagem que toca engrenagem articulando a trama do destino, mantendo-se a custa de sorrisos e movida à combustão de lágrimas. O Leviatã, o moral e os cultos nos atormentam até quando estamos sonhando. Pensamos no passado e no futuro mal vivendo o presente. A marcha é sempre algo ditado e constante, enquanto a caminhada é livre. Podemos não ser o que pretendemos, transparecemos ou ocultamos. Somos sim o que pensamos, difícil é encontrar essência no emaranhado de pensamentos ou respostas no torpor das ruas. De qualquer forma não consigo parar de pensar que um instante ainda me parece muito pouco pra aproveitar e muito pra perder.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Gerações Distintas

Tinha em seu pai um excelente exemplo de conduta moral e um ótimo provedor, mas apesar de todo respeito se desentendiam com freqüência. Eram muito parecidos por fora e tão diferentes por dentro. Com um olhar típico daqueles que sabem pouco da vida, o filho perguntou à sua mãe por que seu pai era tão fechado a ponto de que isso algumas vezes atrapalhasse o diálogo entre eles. A mãe lhe respondeu brevemente com ternura e com toda sua sabedoria dizendo que ela e seu marido fizeram parte de uma geração muito reprimida política e socialmente. Olhando para ela como se houvesse entendido todo o alcance do que dissera, ele mal imaginava como os seres humanos poderiam ser tão diferentes com uma porcentagem de dessemelhança tão pequena entre eles.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Pronomes Errados

Te quero junto a mim
Preciso de ti junto a mim
Com seu sorriso e olhar
Cheios de poesia

Nunca pedir-lhe-ei nada
Nem nunca o farei
Pois sei do fardo que é para ti
Me olhar sem poder entender

Te dito havia eu
Querer poder me entender
Simplesmente, para sentir a brisa
Da vida que passa

Te cubro sob o vapor
Das lágrimas quentes
Ebuli meus monstros cantantes
Da serenata ao luar

Te quero junto a mim
Nunca pedir-lhe-ei nada
A não ser seu amor
Incondicional, que me traz de volta.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Um Príncipe Protestante no Brasil

No ano de 1578, durante a batalha de Alcacer-Quibir no norte da África, dom Sebastião desaparece. O único herdeiro ao trono português, o já combalido cardeal dom Henrique falece dois anos depois gerando uma crise de dinastia no reino de Portugal. Com o respaldo da burguesia mercantil local que garantiu a manutenção da nação portuguesa com o Juramento de Tomar, Felipe II de Espanha é aclamado como Felipe I de Portugal. O período compreendido entre 1580 até 1640 e conhecido por união Ibérica teve diversas conseqüências na América portuguesa, entre elas a invasão dos territórios por nações inimigas dos Habsburgos. Por problemas de intolerância religiosa os países baixos que haviam se separado do Império Habsburgo invadiu o nordeste açucareiro primeiro em Salvador e depois em Recife. Após o embargo do açúcar, com recursos privados e respaldo estatal, a Western Indian Company financia a conquista de terras portuguesas que perdurou de 1630 a 1637 e se estendida do que é hoje o estado de Sergipe até o Maranhão. Esse período é denominado na historiografia nacional de Nordeste Holandês e se estendeu até 1654. A WIC encarregou o então conde Maurício de Nassau de administrar os domínios conquistados. Ordenou-se então a produção de açúcar através da concessão de crédito via Banco de Amsterdã para os engenhos e viabilizou o comércio após a guerra civil. Instituiu a liberdade religiosa para apaziguar tanto católicos quanto protestantes, e dominou entrepostos em Angola para garantir o fornecimento de escravos, pois muitos haviam fugido (especialmente para quilombos no interior) durante a conquista. Implementou reformas urbanas, artísticas e cientificas sob um alto custo. Nassau, que era um excelente estrategista militar, construiu fortes e trouxe novos armamentos. Um belo dia, um carregamento diferente chegou a Pernambuco, com um armamento até então pouco conhecido e de grande poder de fogo. A engenharia de madeira capaz de catapultar objetos de grande peso precisava ser testada. Instalada na fortaleza de Recife, o conde buscou meios para fazê-lo sem que se gerassem suspeitas. De forma não muito discreta catapultou uma vaca, que passou voando por cima de boa parte da cidade e intrigou os moradores. Dias seguintes aprovou-se decreto que proibia o vôo de bovinos, e os moradores preponderantemente católicos provavelmente pensaram ser este um presságio divino que os advertia contra a pacífica convivência com os dominadores protestantes considerados hereges e usurários.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O presente é uma questão de perspectiva

O imbróglio estava desfeito. Havia ganhado um carro de presente dos seus pais. Seria uma comodidade incrível, mas se incomodava com o custo extra disso tudo. Porém era um presente sincero e ficou muito contente com ele. Colocou um chaveiro de seu gosto junto à chave de seu mais novo presente. Gostava de andar de carro vendo a cidade à noite. De dia era tudo diferente. Aquele clima o estressava. Começou a se irritar com algumas coisas que eram novas para ele, e então percebeu que a perspectiva que tinha como pedestre era de certa forma diferente da sua como motorista. Seus risos foram abafados pelo volume alto do som.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Águas de Março

Esperava pelo elevador que se aproximava lentamente, que como o habitual, era justamente aquele que se encontrava no piso mais distante do térreo. Gotas de suor brotavam incontrolavelmente de sua testa enquanto ouvia “Águas de Março” em seu aparelho de som portátil. Viu que uma senhora desconhecida se aproximava e a desejou bom dia. Esta respondeu prontamente:
- Bom dia! Nossa que calor, não é mesmo? Se bem que com esse vento todo e pelo céu parece que vai chover ainda mais esses dias.
- Nossa, tomara que sim. O calor está insuportável e está seco demais, que caia o céu pra dar ao menos uma amenizada.
- A chuva ajuda um pouco mesmo a baixar a temperatura, mas espero que não venha acabando com tudo.
- Se bem que ainda sim prefiro um clima mais ameno, tudo a este calor.
- Mas que não seja muito forte, pois como nós sabemos, a chuva pode tirar o pouco que muita gente pobre tem. Chegou o meu andar, até mais ver meu filho.
Ficou pensando que realmente pior do que perder tudo para a chuva seria apenas receber a notificação do aumento de 30% no ITPU durante toda essa calamidade urbana.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Mãe acima de tudo

O local é um simples posto de saúde, em sua sala de paredes desbotadas a maca e a escrivaninha disposta na frente da janela dominam a cena. Sentada está uma senhora portando um jaleco branco de meia idade, com beleza maternal e que expressava grande sensibilidade. Ela é respeitada por seu profissionalismo, capacidade e acima de tudo por sua boa vontade em fazer o melhor para amenizar a dor daqueles flagelados, que perfilavam esperando por seus cuidados. Alguns, com o retorno marcado, traziam-na lembranças simples como panos de prato decorados ou frutas da estação. Organizava-se entre uma consulta e outra quando a enfermeira bateu na porta e entrou sem esperar por uma resposta como mandam os bons costumes. Esta a informou de que uma paciente passava mal na espera, e trouxeram-na imediatamente a sua sala. De início percebeu que a enfermeira não havia seguido o procedimento. A médica examinou-a e constatou que a paciente havia passado mal devido ao excesso de calor, mas tinha uma ficha clínica muito complicada que acusava sua epilepsia. Receitou-lhe os medicamentos adequados ao tratamento, e ao estender a receita ao marido da combalida paciente escutou dele que duvidava da capacidade dos remédios, uma vez que acreditava que tudo aquilo que a mulher passava era simplesmente coisa do diabo e devia ter sua razão de ser. Após um suspiro a médica os explicou pacientemente da necessidade de medicação constante rigorosamente seguida conforme o prescrito.
Lembrava-se sempre daqueles rostos sofridos e de suas tristes histórias. Sabia pela sua experiência que provavelmente o marido não a compraria os remédios indicados. Ao fim do expediente, saiu do posto e ascendeu um cigarro. Deixou tudo aquilo ali para o dia seguinte e foi buscar seus filhos na escola.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Fugaz

Resplandece sobre nós o brilho
De um alvo novo ser
Se o passado é o que somos,
Seres incompletos.

Brilha sobre nós a idéia
De uma constante evolução,
De um Homem que incendeia
Seus campos de plantação.

E quando esse brilho se vai
Fica o espelho,
De uma mortalidade não tardia,
E de um saber que nos aflige

A realidade nua e crua
Revira seu estômago
Com os campos flamejantes
E os gritos na escuridão.

Sem o brilho fica o peso
De mais um dia que se vai
E na trilha da ampulheta,
Pouco se faz essencial.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Ceia

Dezembro 25, 2008 by José Saramago

Há muitos anos, nada menos que em 1993, escrevi nos “Cadernos de Lanzarote” umas quantas palavras que fizeram as delícias de alguns teólogos desta parte da Ibéria, especialmente Juan José Tamayo, que desde aí, generosamente, me deu a sua amizade. Foram elas: “Deus é o silêncio do universo, e o homem o grito que dá sentido a esse silêncio”. Reconheça-se que a ideia não está mal formulada, com o seu “quantum satis” de poesia, a sua intenção levemente provocadora e o subentendido de que os ateus são muito capazes de aventurar-se pelos escabrosos caminhos da teologia, ainda que a mais elementar. Nestes dias em que se celebra o nascimento do Cristo, outra ideia me acudiu, talvez mais provocadora ainda, direi mesmo que revolucionária, e que em pouquíssimas palavras se enuncia. Ei-las. Se é verdade que Jesus, na última ceia, disse aos discípulos, referindo-se ao pão e ao vinho que estavam sobre a mesa: “Este é o meu corpo, este é o meu sangue”, então não será ilegítimo concluir que as inumeráveis ceias, as pantugruélicas comezainas, as empaturradelas homéricas com que milhões e milhões de estômagos têm de haver-se para iludir os perigos de uma congestão fatal, não serão mais que a multitudinária cópia, ao mesmo tempo efectiva e simbólica, da última ceia: os crentes alimentam-se do seu deus, devoram-no, digerem-no, eliminam-no, até ao próximo natal, até à próxima ceia, ao ritual de uma fome material e mística sempre insatisfeita. A ver agora que dizem os teólogos.

Publicado em O Caderno de Saramago