segunda-feira, 22 de junho de 2009

Olhos Calados

Encontrava-se naquele típico momento em que seres humanos, orgulhosamente tão sábios e realmente tão ignorantes, se questionam sobre sua existência. Questionava-se sobre os motivos que haviam lhe prendido até então. Amor, liberdade, realizações pessoais... Não sabia ao certo nem ao menos os seus verdadeiros significados. Queria contemplar o universo, ver além do horizonte, mas não conhecia nem o seu mundo. Acreditou ser tudo uma mera e complexa fantasia da percepção humana. Sim, era tudo realmente possível de ser elaborado pelo imaginário humano. Mas então o que era o tudo e o que seria possível? Expirou sofregamente; poeira. O que nos prende? Mera sobrevivência de um animal que pensa saber mais que os outros, e portanto, se denomina modestamente sapiens? Será que existiria mesmo uma resposta a todas aquelas almas mutiladas e aqueles corações desesperançosos? Naquela espiral, éden e purgatório, onde muitos esperam a panacéia e tantos outros fingem ser tudo normal o peão não pára de rodar. Era tudo frenético, frenesi. Queria que um grito de descontentamento ecoasse pelo vazio e pudesse apenas fazer as engrenagens pararem. Queria poder sentir tudo verdadeiramente, deleitar-se com o inimaginável ilimite do inesperado e assim banir a espiral maçante do corriqueiro e ordinário previsível. Queria ir além da dor, das ilusões, queria conhecer a máquina do amor e a engenharia do mal, queria o absoluto. Seus olhos foram cerrando-se calmamente, desta vez não fizera mais anoitecer. Uma solitária lágrima correu-lhe pelo rosto, quente, como erupção da agonia pela realidade de sofrimento calado de todas as almas bem intencionadas desse mundo; ao qual se desprendia. Inspirou prazerosamente, o vento varreu as últimas folhas do outono, imergiu no oceano de luz e descansou em paz.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

É tudo uma simples questão de poder

O pequeno e ingênuo carneirinho andava cabisbaixo e retraído desde que o sol havia raiado e pouco pastou durante o dia. Ciente de tal acontecimento e com certa preocupação, seu pai desgarrou um pouco dos outros companheiros e foi em sua direção querendo ter com ele uma conversa:

- O que se passa meu filho? Pensando na morte da bezerra?

- É, mais o menos isso pai, só pensando um pouco. Nada de mais.

- Converse comigo filho, posso tentar te ajudar. Sabe, às vezes posso até ter passado por isso que tanto parece te afligir.

O pai estava crente que se tratava de um coração partido. Já o filho, que acreditava que em nada podia lhe ajudar a atenção paterna foi vencido pelos olhos de ternura que o questionavam e disse melancolicamente:

- Pai, esse mundo é um lugar muito perigoso, onde acontecem coisas horríveis. Eu não gosto nem um pouco daqui!

Depois de desviar o olhar por breves segundos o pai respirou profundamente e, com sua voz grave, de uma maneira surpreendentemente doce e delicada ponderou de forma que suas palavras soaram como música aos ouvidos do carneirinho:

- Meu querido, eu posso afirmar-te que não sei nada sobre esta vida, mas o que te digo agora é o que sinto. Há realmente coisas terríveis acontecendo a todo o momento, capazes de nos fazer chorar, algumas em que podemos fazer a diferença com atos simples, outras, nem tanto. Coisas capazes de chocar até o mais cético dos seres vivos de boa vontade. Mas eu acredito que o segredo é não se deixar abater facilmente, manter vivos os motivos para sorrir. Porque, meu filho, existe pouca coisa linda nesse mundo, mas tão lindas que são capazes de fazer uma vida inteira valer a pena.

O carneirinho nunca havia escutado tão abertamente seu pai como fizera agora, assim como não imaginara que alguém que nunca houvesse desgarrado do rebanho pudesse ter tanto para contar. Vendo que o ar de contentamento do filho havia de certa forma voltado o pai abaixou a cabeça e deixou-o só com seu emaranhado de pensamentos.

Saltitando de contentamento o carneirinho se dirigiu a uma das encostas da montanha por onde corria um pequeno veio d’água. Seguiu em um trote alegre e foi cumprimentando as flores e os passarinhos pelo caminho. Chegando a seu destino, abaixou a cabeça de forma a beber um pouco da água que se acumulava em uma poça ao lado do veio que corria montanha abaixo.
Após alguns minutos de tranqüilidade o carneirinho escutou:

- Ei, o que fazes aí?

Procurando de onde ecoava a voz o carneirinho avistou logo abaixo de si um lobo aparentemente velho e meio despelado, e lhe respondeu:

- Apenas me refrescando um pouco senhor, mas já vou indo. Uma boa tarde, senhor!

- Boa tarde, e o que há de bom se estás aí a sujar a água que me corre ladeira abaixo.

- Ah, hoje meu pai me ensinou que existem muitas coisas bonitas na vida! E me desculpe senhor, mas não estou sujando nada.

- Sei sim. Então se não fostes tu foi teu pai que sujaste minha preciosa água. E isso não é algo discutível.

O lobo subiu com enorme destreza e agilidade os poucos metros que o separavam e atacou com ferocidade aquele que acabara de se tornar seu jantar.