segunda-feira, 16 de março de 2009

Poesia de Ser Pessoa

A pobre alma desaprumada olhava fixamente para as imagens de santos em seu oratório composto de cores pastéis com velas coloridas ao redor. Suas mãos dispunham-se juntas uma da outra e os dedos entrelaçados seguravam desajeitadamente um terço próximo à sua boca. Orava fervorosamente como se assim o houvesse feito durante toda sua vida. Mas não era nem um pouco apegada a rezas ou crenças, queria apenas se desapegar da angústia e do desespero que a consumiam. Apegava-se ao gesto como última saída e repetia suas palavras desesperadamente esperando poder passar além do Bojador. Relutava para não se acostumar àquilo que não lhe aprazia. Clamava para que ao olharem de cima não permitissem que seus sonhos fossem esmagados e sua esperança dilacerada. Aliás, a pessoa a qual estava em jogo não era apenas quem a havia ensinado que o amor existe, mas aquele que havia lhe mostrado que o amor valia à pena se a alma não fosse pequena. Cada vez que se encontrava incapacitada de ajudá-lo, a impotência consumia ainda mais seus sentidos. Assim uma lágrima correu, e se afastou do oratório com um olhar melancólico e vago. Com seus olhos sem brilho perdidos na escuridão do ambiente levantou-se e se distanciou alguns passos do altar improvisado. Em seguida passou o olhar por cima de um prato de comida que havia deixado displicentemente na sala e que se encontrava infestado por formigas. De maneira impulsiva esmagou todas as que estavam ao seu alcance. A carnificina só se ateve quando o telefone tocou. Mesmo se em sã consciência soubesse que hospitais não fornecem notícias pelo telefone, sua ingenuidade fez do fato de terem-na chamado durante o breve cair da noite um motivo a mais de esperança. Não era mais inteira, e a lua já brilhava alta quando voltou para casa.

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