Em um aglomerado urbano qualquer, sentados em uma pequena mesa de bar posta numa calçada que margeava uma grande avenida, dois amigos conversavam após o farto jantar. A trajetória de ambos juntos poderia provar que eram realmente grandes amigos, e como tal, não esperavam apenas pelo seu turno de falar. Um olhou interrogativamente para o outro após um breve silêncio, e com um sorriso discreto no rosto perguntou:
- Você bebe mais que o habitual hoje, tudo bem?
Após mais um gole de cerveja o outro respondeu calmamente:
- Bebo porque é líquido, se fosse sólido comê-lo-ia! (os dois riram) Ah, só não agüento mais engolir a seco toda essa loucura e fingir que tudo isso é normal...
O amigo olhou apaixonadamente para o cigarro que queimava entre seus dedos, deu um trago que parecia ser capaz de curar toda sua dor, e disse como quem também passava por isso:
- Relaxa cara, você está sendo mole demais, agente agüenta isso. Afinal, todo mundo agüenta. Nossas aulas serviram ao menos pra alguma coisa; nos mostrar que fomos individualizados, racionalizados e capitalizados.
- Muito bom, e ainda por cima o sinônimo de pessoa é indivíduo... Aprendemos a olhar criticamente o mundo, para depois nos conformarmos com isso. Nesse caso o Governo devia lançar o Bolsa Psicólogo!
O ceticismo apático de seres ainda tão jovens somado à alegria de terem suas agonias parcialmente compreendidas fez com que rissem mais uma vez. Logo após mais um trago o amigo perguntou com a candura habitual:
- A fumaça não te incomoda?
- Não mais. Fume sossegado.
- Andei lendo umas coisas esses dias, se quiser te indico depois. Realmente meu amigo, o sistema todo já foi estabelecido, não podemos mais fazer nada...
Com o álcool influenciando a maioria das suas reações, o outro rebateu prontamente:
- Puta merda! Realmente o que fazemos desse mundo é um lixo! Olha só pra esse maluco aí (apontou um catador de lixo que cruzava lentamente a avenida com sua carriola de lixo). Onde fica a poesia nesse sistema?
Ironicamente o amigo pondera:
- Ah! Vai dizer que as comodidades que temos e a facilidade de encontrar mão-de-obra barata não te agradam? E você abriria mão de um espaço de sua casa para assentar sem-tetos? É assim mesmo, mais cedo ou mais tarde todos acabam por estabelecer seus preços.
Após certo tempo olhando o vazio o outro diz pausadamente:
- Só sei que eu vejo muita coisa bonita nesse mundo, coisas que fazem uma vida inteira valer à pena. Meu amigo, nós não podemos desistir assim das pessoas. Senão sobra pouca coisa da vida. Tudo que é belo e grande nesse mundo não nasceu de um discurso meramente racional. A música está por todos os lados, só cabe a nós ouvi-la.
- Não sei, mas acho que se o amor pode realmente mudar o vazio de uma vida, talvez possa salvar o mundo!
Em seguida, ambos com um sorriso moribundo no rosto fizeram o último brinde da noite, terminaram a cerveja e foram para suas respectivas casas dormirem embriagados.
segunda-feira, 11 de maio de 2009
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